top of page
Entradas Destacadas

Construção midiática do Fenômeno Ronaldo: Ascensão e declínio do corpo no esporte


 

RESULTADO DE INVESTIGACIÓN: Proyecto de investigación: “Consumo y construcciones mediáticas: cuerpos diferentes en el fútbol” - Programa de Maestría en Comunicación y Prácticas de Consumo de la Escuela Superior de Propaganda y Marketing ESPM, Sao Paulo, Brasil

 

Resumo


Este trabalho apresenta alguns resultados parciais da investigação “Consumo e construções midiáticas: corpos diferentes no futebol”, desenvolvida junto ao Programa de mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo, da Escola Superior de Propaganda e Marketing - Brasil. Pretende-se abordar a construção midiática do jogador de futebol Ronaldo (Fenômeno) em duas fases: 1) no início de sua carreira, quando é apresentado como um fenômeno e 2) no momento em que precede sua aposentadoria, caracterizado pela decadência física. O corpus é formado por três matérias veiculadas na mídia impressa brasileira no período de 1996 a 2011, as quais foram selecionadas porque representam três momentos significativos da carreira do jogador. A partir da Análise do Discurso de linha francesa e da interface entre os estudos da comunicação midiática e do consumo, objetiva-se investigar as estratégias de construção das representações midiáticas, a partir da cultura do futebol na sociedade brasileira, de modo a analisar a caracterização do referido jogador como um “corpo diferente”, cujo desempenho revela-se superior ao dos demais jogadores.


Introdução


Esse artigo se propõe a abordar a representação do corpo e a construção midiática do jogador de futebol Ronaldo Nazário de Lima, no início de sua carreira, quando é apresentado como um fenômeno, um corpo diferente, com desempenho acima da média em relação aos demais jogadores e no momento em que precede sua aposentadoria, caracterizado pela decadência física. Nossa análise considera as representações do corpo no seu aspecto físico e nas características do jogo. Evidenciaremos também o papel que o futebol representa nesse contexto, suas relações com o consumo e suas possibilidades de servir de alicerce para a “construção midiática” de Ronaldo. Entendemos por construção midiática a divulgação intensa de um fato social ou de uma figura pública, de modo a conferir visibilidade e promover o interesse público por meio da contínua apresentação de novos fatos ou de decorrências.


Definimos Ronaldo como objeto desse trabalho porque acreditamos que ele é um caso exemplar de construção: considerada pela mídia como um ídolo e um legítimo herói nacional por seu desempenho no início de sua carreira, seu carisma e títulos conquistados e sua trajetória mostra vários momentos de superação, tanto nas esferas esportivas como a pessoal.


Neste artigo analisamos três matérias veiculadas pela mídia brasileira, que abordam e identificam aspectos de desempenho do jogador citado, de suas características físicas, consideradas como uma diferença em relação aos demais jogadores. Essa análise será realizada a partir de conceitos da Análise do Discurso, de linha francesa, assim como também fazendo interfaces com os conceitos de comunicação e consumo.


Representações de corpo na Mídia


O século XX pode ser considerado como o período da invenção teórica do corpo. Para Corbin, Courtine e Vigarello (2008) essa invenção surgiu em primeiro lugar da psicanálise, com Freud, que postulou que o inconsciente manifesta-se no corpo. Seguiu-se a este um segundo passo, que talvez se possa atribuir a idéia que Edmund Husserl fazia do corpo humano como o ‘berço original’ de toda significação. Para esses autores, a terceira etapa dessa descoberta do corpo emergiu do terreno da antropologia, da surpresa que Marcel Mauss experimentou, quando observou, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a infantaria britânica desfilar num passo diferente do passo dos franceses e cavar buracos de maneira singular, caracterizando uma nova noção de técnica corporal.


A partir desse ponto, Mauss fez uma reflexão histórica e antropológica do tema. Consequentemente, na visão desses mesmos autores, o corpo foi ligado ao inconsciente, amarrado ao sujeito e inserido nas formas sociais da cultura. “Faltava-lhe um derradeiro obstáculo a transpor: a obsessão linguística do estruturalismo. Esta, desde o pós-guerra até a década de 1960, ia, com efeito, enterrar a questão do corpo com a do sujeito e suas ‘ilusões’” (CORBIN, COURTINE, VIGARELLO, 2008, p. 8). Na década de 1990, a Conferência Geral da Unesco adotou uma Declaração Universal sobre o genoma humano e os direitos humanos. Dessa forma, a genética constituiu um conjunto de predisposições e de probabilidades que permitem prever os comportamentos futuros de indivíduos aparentemente saudáveis e normais:


O corpo genético é então o corpo quadriculado da população, corpo atravessado por normas e regularidades. Lugar do controle e da formação do “eu”. Nestes três sentidos, ao menos, a genética transformou e contribuiu para transformar, com outras mutações, o nosso olhar sobre o corpo: corpo digitalizado e programado do homem universal, corpo sofredor, exposto e, no entanto, ativo do enfermo, corpo quadriculado e normado da população (CORBIN, COURTINE, VIGARELLO, 2008, p. 85).


O corpo então passa a ocupar lugar central nas ciências sociais. A partir dele podemos discutir as questões éticas, as performances louváveis e as deficiências de desempenho esportivo por meio do jogo de futebol, por exemplo. Também podemos fazer a avaliação do jogador a partir do corpo em movimento. Construir um estudo analítico que evidencie teorias a respeito do tema. Todavia, “advertimos que não existe uma única teoria do corpo, pelo contrário, há uma riqueza de respostas” (MUÑIZ, LOST, 2007, p.9, tradução nossa).


Ainda para Corbin, Coutine, Vigarello (2008) o corpo também ocupa um lugar no espaço. E ele mesmo é um espaço que possui seus desdobramentos. Esse corpo físico, material, pode ser tocado, sentido, contemplado. Ele é esta coisa que os outros vêem, sondam em seu desejo. Ele desgasta-se com o tempo e pode ser considerado como um objeto da ciência. Para esses autores, falar da história do corpo equivale a olhar tudo que cerca o indivíduo e o contextualiza. Dessa forma, estaríamos, definitivamente, diante de um tema de infinitas possibilidades. “Na história do corpo revela-se o universo cultural, religioso, social e econômico do indivíduo e da sociedade.


A história do corpo é a história da própria vida humana” (CORBIN, COURTINE, VIGARELLO, 2008, contra capa 1).


O corpo dos sujeitos é também uma ‘verdade’ que se pode ‘verificar’, ou uma certeza em momentos incertos. “o corpo dos sujeitos representam algo mais que suas capacidades físicas, adquirem uma importante significação para sua própria existencia ao ter a possibilidade de construir-se de maneira que gostaria de ser” (MUÑIZ, LOST, 2007, p.7, tradução nossa). Para Camargo e Hoff (2002), o corpo comunica e, por consequencia, revela a cultura. Para esses autores, a maneira de percebê-lo, interpretá-lo e de estabelecer relações são criações humanas que se constroem na cultura, de forma que cada sociedade constrói uma visão de corpo, que representa os seus valores.


Seguindo na defesa desses mesmos autores, percebemos que todo discurso se realiza na linguagem que, na sua dimensão física, concretiza as concepções económicas da sociedade. Nesse sentido, o discurso está materializado no corpo, que deixa de ser apenas corpo para ser, também, “texto de cultura e passível de leitura por todos os membros do grupo cultural” (CAMARGO, HOFF 2002, p.22).


Se pudermos admitir o corpo como texto de cultura passível de leitura, podemos também evidenciar o corpo pela ótica da mídia. Nessa dimensão o corpo veiculado nos meios de comunicação, para Camargo e Hoff (2002), não é o corpo da natureza, nem exatamente o de cultura na sua dimensão e expressão de corpo humano:


é imagem, texto não-verbal que representa um ideal. É o que denominamos corpo-mídia: construído na mídia para significar e ganhar significados nas relações midiáticas (...) o corpomídia é um simulacro e consiste numa síntese de corpo – somatória de todas as suas manifestações -; já o corpo na vida cotidiana, preso ao biológico a ao cultural, segue desesperado na tentativa de se adaptar à síntese, isto e, ao modelo (...) o corpo-mídia é pura imagem e vazio de significados afetivos: nele não há história a ser contada nem cultura a ser revelada. Nesse sentido, põe fim a todas as diferenças do corpo natural, pois abriga todos os corpos não possui a essência de nenhum em particular. Consiste num referencial de corpo porque, além de ser uma imagem idealizada, é amplamente divulgada pelos meios de comunicação de massa (CAMARGO, HOFF, 2002, pp.26-27).


Ao pensarmos num referencial de corpo, chegamos ao ponto crucial de nosso objeto de estudo nesse artigo, pois a mídia, ao atribuir significados ao corpo, pode valorizar um modelo em detrimento do outro, pode atuar no aprimoramento da substância e em sua identificação exemplar para tê-lo como basilar e servir de método editorial, passível de construção midiática. “Na medida em que o inserem nas relações comerciais, valorizam-no enquanto imagem ideal a ser perseguida e transformam-no numa referência hegemônica, capaz e suplantar a diversidade e as características físicas de carne e osso.


Entendemos – a partir de Camargo e Hoff (2002) – que a mídia divulga um modelo de atleta para sustentar suas necessidades mercadológicas. Esse corpo passaria a ser um produto, recebendo um tratamento adequado, semelhante a qualquer outro produto de mercado. Ao lado do corpo-produto existiria uma gama de produtos que, direta ou indiretamente, pertencem ao mercado atlético, tais como: revistas, jornais, livros, roupas, acessórios esportivos etc. Podemos ainda moldá-lo, desenhá-lo a partir de tatuagens, dar-lhe ornamentos como piercings e brincos, mas não podemos estar no mundo sem ele, já que o corpo é síntese física da nossa existência, o complemento de todo o ser humano. Dele não nos separamos e, ao que nos cabe analisar, toda ancoragem da diferença também está no corpo do jogador.


Entendemos “diferença” como aqueles elementos que promovem distinção. No caso do jogador de futebol, a diferença é representada nas características físicas avantajadas q